16 janeiro 2019

“Vidro” arremata trilogia de Shyamalan sobre super-heróis


Queridos leitores! Temos um novo colaborador que também escreve sobre cinema aqui no blog.  O Leonardo Melo apresenta hoje para vocês, em primeira mão, a resenha do filme "Vidro", de M. Night Shyamalan, que estreia nesta quinta (17/1). Ele esteve na sessão para jornalistas e traz sua opinião sobre mais esta obra instigante do diretor de "O Sexto Sentido" e que é distribuída internacionalmente pela Disney.

Por Leonardo Melo*

Em 1999, portanto há 20 anos, um certo cineasta de origem indiana colocou o mundo do cinema de ponta-cabeça, em especial o do gênero de suspense, com um filme sobre um garotinho que conseguia ver gente morta. Sobretudo, pela reviravolta do roteiro, o chamado “plot twist”, resultando em um final surpreendente. Algo que se tornaria marca registrada de sua carreira e que lhe renderia uma legião de fãs. O diretor em questão era M. Night Shyamalan e o filme, “O Sexto Sentido”. De lá pra cá, mantendo essa fórmula (ainda que nem sempre tenha obtido êxito, é bom que se diga), ele trafegou por outros gêneros, sem perder o foco no sobrenatural, no extraordinário. Assim foi com a ficção-científica “Sinais” (2002); “A Dama na Água” (2006), ambientado no universo fantástico; “Fim dos Tempos” (2008), de temática apocalíptica; e o terror “A Visita” (2015) - só para citar alguns títulos. 

E o segmento dos super-heróis de histórias em quadrinhos, tão popular hoje em dia graças às megaproduções da Marvel e da DC? Sim, Shyamalan também já visitou esse frutífero e milionário território. Porém, não para contar aventuras de personagens icônicos, como o Homem-Aranha, o Incrível Hulk, Batman ou Super-Homem. E sim uma história própria, original e nada convencional. Mais do que isso: a criação e o estabelecimento de um universo, de uma mitologia particular. Foi assim que conhecemos a jornada de David Dunn (Bruce Willis), um guarda de segurança que descobre ter habilidades sobre-humanas, e aquele que se revela seu arqui-inimigo, Elijah Price ou o Sr. Vidro (Samuel L. Jackson), em “Corpo Fechado” (2000). Coincidentemente, no mesmo ano, os mutantes da Marvel também estreavam nos cinemas, em “X-Men - O Filme”, que plantou, sem dúvida, uma sementinha para o atual boom do gênero.  


Corta para o ano de 2017. O thriller psicológico “Fragmentado” chega às telonas. Seu personagem central? Kevin Wendell Crumb (em atuação surtada de James McAvoy), um homem que sofre de Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI) e transita entre múltiplas personalidades, tendo sequestrado e aprisionado três jovens em uma instalação subterrânea. Depois que a Fera, a assustadora 24ª identidade de Kevin, escapa (ainda me pergunto como o ator escocês sequer foi indicado ao Oscar), descobre-se, no fim, que estamos na realidade diante da sequência de “Corpo Fechado”. E o que “Vidro” (2019) tem a ver com tudo isso? Sr. Vidro, Mr. Glass, Elijah Price...Bingo! O longa que estreia nesta quinta-feira (17 de janeiro) é, por sua vez, a conclusão da trilogia idealizada por Shyamalan, reunindo os personagens dos filmes em questão. 


A nova trama acompanha David (Willis) perseguindo a criatura sobre-humana conhecida como a Fera (McAvoy), em meio a uma série de eventos. Enquanto isso, a sombria presença de Elijah (Jackson) surge como um maestro que detém segredos sobre os dois. O trio acaba confinado em um sanatório, na Filadélfia, sob a supervisão da doutora Ellie Staple (Sarah Paulson), uma psiquiatra que lida com pessoas que acreditam fazer parte de uma história em quadrinhos. Seu objetivo é provar aos pacientes e convencê-los de que eles não possuem poder algum. Nesse aspecto, a direção de Shyamalan (também) é primorosa. A forma como conduz a câmera, como brinca com os enquadramentos e planos ajuda a criar tensão na medida certa. Isso pode ser verificado, por exemplo, nas sessões da médica com os três (sejam individuais ou em grupo), como para ilustrar o tratamento (quase sempre pouco amistoso) dispensado a eles pelos enfermeiros que os monitoram. E a trilha sonora assinada por West Dylan Thordson contribui muito para a construção desse clima.


Com forte inspiração em HQs, “Vidro” tem na estética do uso de cores também um interessante elemento. Cada um dos três protagonistas possui sua própria paleta na telona. Do figurino à direção de arte e à fotografia das cenas. Algo, aliás, explorado desde o material de divulgação do filme. Desse modo, David traz o tom verde; Elijah, o roxo; e Kevin, o amarelo. E por falar neles, aqui vale um destaque especial aos protagonistas. McAvoy, acreditem, consegue entregar um trabalho ainda mais soberbo e visceral que o já feito em “Fragmentado”. Além de dar novamente vida a Kevin; à autoritária e religiosa Patrícia (vestindo-se de mulher); a Hedwig (agindo como um garotinho de nove anos); e, claro, à temível Fera, o ator introduz novas personagens (no caso, outras das 24 identidades) que não foram apresentadas no longa anterior. 

Jackson não fica atrás. No entanto, pela própria limitação física de sua personagem (Elijah fica preso a uma cadeira de rodas, em decorrência da osteogênese imperfeita, doença rara na qual os ossos se quebram facilmente - daí o apelido Sr. Vidro), ele permanece imóvel e silencioso durante boa parte dos quase 130 minutos de projeção. Ainda assim, é uma atuação desconcertante, incômoda, que flerta até com o perturbador, com base no olhar, potencializado por tiques nos olhos e no canto da boca. Como quem estivesse - e de fato está - maquinando um terrível plano que em breve sairá da escuridão. Já Willis, se não fornece o mesmo brilhantismo dos colegas, sua contida interpretação do herói, que assim como os dois vilões, também busca encontrar a verdade sobre si, não compromete. 


Além do trio principal, “Vidro” também reserva o retorno de Casey Cooke (a ótima Anya Taylor-Joy), única sobrevivente do encontro com a Fera em “Fragmentado”; Joseph Dunn (Spencer Treat Clark), o filho de David; e a Sra. Price (Charlayne Woodard), a mãe de Elijah, ambos de “Corpo Fechado”. Embora secundário, o trio acaba tendo importância decisiva no desfecho da história. Sobretudo, Joseph, que desde criança sempre acreditou nos superpoderes e no heroísmo do pai, e, agora, o auxilia na rotina dele como o herói de capuz. Já Casey tem menos tempo de tela em comparação ao seu papel em “Fragmentado”, mas sua presença, ao lado do personagem de McAvoy, rende um dos diálogos mais engraçados do novo filme e outro, já próximo ao fim, que pode ser considerado o mais tocante da fita. E, claro, como é de praxe em seus filmes, o próprio Shyamalan em pessoa faz uma ponta.


Agora, para quem espera um final de dimensões épicas ou, literalmente, explosivo, como é típico dos filmes de super-heróis (“Vingadores” que o diga), “Vidro” pode decepcionar muita gente. No entanto, seria injusto tirar o mérito, desqualificar o trabalho de Shyamalan - até pelo conjunto da obra idealizada aqui. Goste-se ou não dele, do seu estilo, é fato que o diretor concebeu uma criativa, ousada, intrigante e inesperada saga. Mesmo bebendo do badalado tema “super-heróis e super vilões” que domina o atual cenário cinematográfico - de forma muito peculiar (eu diria até minimalista), é bom ressaltar. E essa constatação ganha ainda mais força em uma época recheada por inúmeras adaptações (muitas de qualidade discutível) de obras literárias, seriados, ou mesmo por “remakes” de filmes e “reboots” de franquias com menos de duas décadas nas costas. A verdade é que o “Shyamalan Universe” já faz parte da história. 

Ficha técnica:

Vidro - “Glass” (2019)
Gênero: thriller psicológico, super-heróis, quadrinhos
Direção: M. Night Shyamalan
Roteiro: M. Night Shyamalan
Produção: M. Night Shyamalan, Jason Blum, Marc Bienstock e Ashwin Rajan
Elenco: Bruce Willis, Samuel L. Jackson, James McAvoy, Anya Taylor-Joy Sarah Paulson, Spencer Treat Clark e Charlayne Woodard
Distribuição: Buena Vista International

*Leonardo Melo é jornalista, responsável pelo blog Caixa de Som, dedicado à música. Aprecia boas histórias, bons livros, bons filmes e guitarras afiadas. 

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